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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

De Saco em Saco de Sal


A esperança dela durou dois sacos de sal. Não se sabe se de um quilo ou de dois, cada um. O certo é que só durou isso: dois sacos de sal.

A incerteza dele induziu a certeza dela. Não haveria mais casamento. Nunca houve, pensou ela, querendo ser destemida. Ele saiu, e ela começou a limpar tudo. Limpou alma e os vãos. Convencida de que valia circular as coisas, providenciou as vendas. Fez bazar, vendeu o enxoval. O que seria uma festa virou um carro novo.

Ficaram, por último, as alianças do noivado-indecisão (ele a deixou com o par). Certamente eram as peças de maior dificuldade de venda. Não de compra, de venda. Seria difícil pra ela o desfazimento. Encorajou-se e enfiou o par num envelope. Saiu de carro com destino a Surubim, interior de Pernambuco. Vendeu o par por duzentos reais. Deu uma risadinha somente por ter feito uma maldadezinha: entregar todo aquele ouro por duzentos. Para ela, o valor não estava em quanto podiam pagar. Ela queria enfim, desvalorizar o momento.

Depois da venda (alianças cimentadas), permitiu-se o silêncio. Silenciou para si e para o mundo. Ele fazia parte do mundo, e recebeu o silêncio dela. E o silêncio a ele fez ausência; e a ausência fez-lhe estima. Agora ela lhe tinha valor. Agora ela lhe era o amor.

Ele Despertou! Correu e comprou rosas. Perfumou-se e declarou (o amor e a intenção). Imperava casar-se com ela. Almejava enxoval e festa, fingindo não viver um “dejá vu”.

Ah, a esperança, essa desgraçada... a fez sair de casa pra comprar mais sacos de sal, quantos quilos fossem necessários.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Pontofinal


Lá do fundo da sala eu escutei os passos que vinham do começo do corredor.  O barulho foi ficando mais forte e confuso e não de repente, ela desaba na minha frente com os olhos arregalados, usando sem moderação o seu sotaque gostoso de interior do Nordeste: - Beijei na boca!
- Humpf! Que novidade tem nisso? Até parece que tu nunca beijou ninguém...
- Tu num ta entendendo. Beijei com vontade de beijar!
- E tu voltou pro traste?... Peraí!! Tu ta me dizendo que beijou outro?
- Uhum!
- E o traste?
- Se já tava enterrado, joguei sete palmo de terra ontem.
- E tu vai fazer o que agora? Vai ligar pra ele?
- Quem disse que beijo precisa render? Esse pra mim não foi começo de nada. Foi recomeço de mim. Pontofinal, e pé na estrada...

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Gargalhada, não por Vingança


Havia encontrado suspeitas de traição por vários cantos da casa. Registros de chamadas telefônicas idas e vindas (em horário inconveniente), que para quem, nunca ficou claro. Mas é fato que atendia por voz de mulher; ausências não explicadas no meio de qualquer expediente, em qualquer mês do ano; fotografias que negavam o seu discurso; jantares reveladores de uma personalidade obscura e inquietante. Definitivamente, era uma pessoa misteriosa, mas não da maneira saudável, que chega a ser encantadora. Ele possuía um mistério irritante, odioso. O conjunto de sua personalidade trucidava o que de bom alguém pudesse sentir por ele.

Era uma sexta-feira e eu acordei diferente. Estava, enfim, indiferente. Chegou o dia. Telefonei-o pela manhã e chamei para ver o mar. À tarde, tomamos um café. À noite, fomos ao teatro. Comédia. Era delicioso vê-lo sorrindo sem saber o quanto ia chorar depois.

Saímos para jantar, ao final do mesmo dia. Logo após a primeira taça de vinho, olhei-o calmamente e informei que o abandonaria. Boquiaberto, perguntou-me o motivo. Resposta fácil: - Você, e tudo o que vem junto com as suas mentiras. Perguntou-me então o porquê de um dia bom, com um final trágico. Expliquei-lhe que quis proporcioná-lo um dia feliz sem o intuído de amenizar seu sofrimento, mas para potencializar o seu desconforto e a sua sensação de impotência ao perder-me. Quis acentuar o que de bom ele havia deixado passar, que ele havia tentado enganar.

Foi com um sorriso se formando no canto da boca que assisti a sua surpresa e paralisia. Aos poucos, surgiam lágrimas em seus olhos. Aos poucos, ia aumentando o meu riso. Uma evolução idêntica em ambos os processos. Tentei disfarçar, juro que tentei. Fiz tanta força para não deixar a risada escapar que minhas mãos suavam. Tremia por dentro de tanto rir, sem deixar que saísse um ruído. E enquanto ele se contorcia em lágrimas, eu também sofria. Às vezes dói segurar o riso por muito tempo, dá até calor. Fui incompetente, e não consegui evitar. Deixei uma gargalhada ganhar espaço. Eu ria, ah, como eu ria. Era uma gargalhada altíssima, e constrangida. Levantei-me e o abandonei ali, justamente como havia anunciado cinco minutos antes. Não olhei para trás. Nunca mais o vi.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Por enquanto, vou ficando...

“Por enquanto” é um tempinho que tem que ser aproveitado enquanto durar. Pode durar cinco minutinhos, pode durar dez anos. Pode não acabar nunca, mas eu só fico enquanto achar que tá rendendo bom. E se render felicidade, eu fico a vida toda naquele instante. E se não render mais, vou embora pra outro enquanto...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Encantamento

Um dia eu me encantei com um sorriso, que de tão bonito, era iluminado. Desde então virei criança, saciada somente pela imaginação. Vê-lo passar me bastava, e tudo era tão inocente  que me devolveu os quatorze mesmo já passada dos trinta. O sentimento era tão puro que valia preservá-lo bonito, então me despi de tudo que pudesse perturbar. Tive que soltar algumas coisas, deixar para trás, para permitir viver aqueles segundos diários sem culpa, sem magoar. Mergulhei, a fim de merecer a recompensa pela contemplação. Um tempo depois eu o abraçaria, e nesse momento, sentiria a sensação de chegar em casa.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A Vida com Detalhes


Porque de tão breve que é a vida, merece detalhes
Obrigação, compromisso, isso é tudo necessidade
Mas o dia que tem vida é o dia que é lembrado
E basta um detalhe pra o dia nunca ser esquecido
Por que não encurtar a estrada entre um detalhe e outro?
Por que não viver a vida construindo vida pra lembrar?
Porque de tão breve que é a vida, merece detalhes.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Libertação


Não queria filosofar em cima de um relacionamento morto. Tentei ainda detalhar meus sentimentos, mas somente a palavra “adeus” vinha na mente. Afinal, que conjunto de palavras forma uma frase para dizer que todas as expectativas criadas foram em vão? “Adeus” caia bem. Era forte e breve. E era assim que eu precisava me despedir.

Naquele momento, joguei para trás todas as almofadas daquele sofá pesado numa alegria que somente a esperança foi capaz de proporcionar.  Levantei, ajustei o pé para firmar o salto, retoquei o cabelo e a maquiagem dos olhos no espelho da sala e sai de fininho, sem olhar pra trás. Não bati a porta. Ao descer pela escadaria do prédio de três andares, senti uma felicidade que quase me sufocou e quase me fez gritar: era a liberdade no coração. A luz se apagou, e a sensação de luto que estava por vir significava renovação, a reinvenção de mim mesma.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O blog é teu?


- Tais ai? Dá uma olhada: Quem é Obi-wan Kenobi?
- “Quem é Obi-Wan Kenobi?” é a tua cara. Até tive que me certificar que não foi escrito por você!
- ?? claro q foi escrito por mim!?! Ai! Será que publicaram meu texto?
- Pera... o blog é teu??
- ???
- Maria Flor???
- Lógico! Tu lê meu blog há um mês e acha que ele é de quem?
- Tô passado!!! Não creio. Pois eu li o outro conto da borrachinha e adorei... (muitas risadas) Mas achei que era uma pessoa conhecida tua que eu não conhecia. Eu pensei que era de alguma garota que tu admirava, que tu queria ser quando crescer.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quem é Obi-Wan Kenobi?



Karina abriu a porta e Maria entrou arrastando tudo, com as sandálias penduradas nos ombros.
- O que houve?
- Ele não sabe quem é Obi-wan!
– Calma, eu também não sei! 
Maria riu, da situação e da frase que acabara de falar. Nem todo mundo precisa saber quem é Obi-Wan. E não vai acontecer nada de ruim na sua vida caso você também não saiba quem é. Mas, se você decidir que sabe, saiba!

Ela se enfeitou toda, e como era Maria, colocou uma flor no cabelo. Ia ao cinema. E a pessoa que iria em sua companhia tentara demonstrar o quanto era fã de Guerra nas Estrelas. O filme era Guerra dos Clones (o episódio dois). Já haviam tido uma conversa no sentido de comparar o que era melhor: Guerra ou Jornada. E Maria tentara opinar. Ela achava (equivocada ou não) que eram coisas feitas para públicos diferentes, e que não valia comparar, e sim gostar ou não gostar, de Guerra e de Jornada. De Guerra, ou de Jornada.

Maria tendia para Jornada, mas isso não significava que era completamente aquém do contexto de Guerra. Admirava e estava indo ao cinema por dois motivos: Obi-wan e Darth Vader (ainda Anakin). E isso estava muito claro para o aspirante a paquerinha. Haveria um jantar depois do filme... e o verbo não mudou de tempo.

O interfone tocou e Maria desceu. Ele estava encostado no carro fazendo pose e pinta de fã ansioso para ver o filme. Surpreendeu com a marcha imperial no som do carro. Ela achou que ele estava fazendo muito tipo, mas relevou. Deve ser assim mesmo quando a pessoa é muito fã.

O filme acontecia, até que numa cena onde só foi preciso um olhar de Anakin, Maria exclama:
- Obi-wan!
– Quem?
- Obi-Wan Kenobi!

Acabou-se o mundo quando ele fez disso uma interrogação. Ele poderia ter feito qualquer sinal de pontuação, exceto interrogação. Maria percebeu que o mentirinha não tinha ideia de quem era Obi-wan. O que não se explica no caso de um fã.

Pediu que ele a deixasse na casa da Karina. Não tinha mais fome nem vontade, não ia mais sair para jantar. Não ia sair para mais nada. Mentiu sem necessidade, imagina por dificuldade... não estava disposta a começar mais nada. Ele mentiu, e acabou tudo ali.

Só faltava ele ter dito que Yoda era um gato. Certamente Maria teria levantado no meio do filme e desaparecido em velocidade de dobra. Audaciosamente teria ido onde nenhum homem jamais esteve, somente pra sumir dali (levando as pipocas).

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A Dama de Espadas


Lá estava eu, com olhos e respiração de criança apreciando aquela borracha. Não era qualquer borracha, era uma dama de espadas, linda. E como eu estava na alfabetização, apagar muitas vezes faria parte da minha construção.

Pedi permissão para usá-la, somente durantes as tarefas daquele dia, ali mesmo, na sala de aula. Clarice riu pra mim, e entendi que isso era permissão. Sentindo-me a vontade então, pegava a borracha de vez em quando somente pra cheirar. Desde menorzinha, eu adorava coisas de escola: lápis, borrachas...não diferenciava menino de menina. Se fosse lápis, borracha, caneta ou caderno, eu amava.

Desse dia em diante, eu sentava na mesma mesinha que a Clarice na hora de fazer as tarefas na escola. Cabiam quatro crianças, sentavam quatro crianças. Mas somente eu compartilhava a dama de espadas. A Clarice permitia, sempre.

Uma tarde, tomei um susto. O que a dama de espadas estava fazendo na minha bolsa, em minha casa? Eu tentava entender, lembrar, refazer caminhos, mas não adiantava. Minha mente não havia registrado o momento que ela resolveu ser minha, mesmo que temporariamente.

Senti-me mal, juro. Mesmo sem perceber, eu havia tirado algo de alguém. Às vezes, tirar algo de alguém é bom. Por exemplo, arrancar com toda a força um sorriso. Mas ao invés de um sorriso, eu havia simplesmente e de maneira negligente, retirado um objeto da Clarice. O que ela faria agora, sem a sua Palas Atena?

Devolver a divindade seria um fato futuro, sem dúvida. Mas agora eu precisava de uma estratégia. Não poderia simplesmente chamar a Clarice em um canto e pedir desculpas. Poderia parecer com coisas que não foram realidade. Não queria me acusar de algo que não fizera. Maldade com arrependimento, não. Descuido! Não deveria então se parecer com nada feio, sejamos justos. Resolvi que teria muito cuidado com coisas que não se consertam nunca mais na vida. Um mal entendido poderia arranhar tudo.

Aliviou-me o pensamento de desfazer o ocorrido no dia seguinte. Tanto que ao ir fazer as tarefas de casa naquela mesma tarde, resolvi usar um pouco a dama de espadas. Que mal teria? Usei-a, sem culpa, tantas vezes quantas foram necessárias. Eu ainda estava na alfabetização.

Ao terminar as tarefas, cheirei mais uma vez a borracha antes de guardá-la. Neste exato momento, uma sirene alta de polícia. Desespero de criança quase sempre resulta em lágrimas. Não foi diferente comigo. Não precisava ter chamado a polícia, eu ia devolver Atena, desde sempre. Nunca tremi tanto, nunca sofri tanto. Não durou nem um minuto e a sirene foi ficando fraquinha, baixinha. Haviam passado direto, tomado outro rumo, seguido em frente. Por certo não encontraram a minha casa.   

Ao chegar à escola na manha seguinte, a Clarice já estava. Alívio! Tudo ia mesmo se resolver naquele dia seguinte. Fiz questão de puxar assunto só pra me certificar de que ela não conseguia ler o que estava escrito na minha testa. Ela ainda estava amável, eu ainda tinha tempo de agir. Esperei a hora do recreio com alguma angústia, a fim de executar logo a minha estratégia tão bem intencionalmente elaborada.

Neguei todos os convites de partilha de lanche, esperei que todos saíssem da sala de aula, e tremendo um pouco, bem ciente de que tinha um coração ativo, palpitante, entrei no corredor onde eram guardadas as bolsas escolares. Lá estava eu, com olhos e respiração de criança devolvendo aquela borracha. Não era qualquer borracha, era uma dama de espadas, linda.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Impossível Recomeçar

Pensando bem, é impossível recomeçar.
Recomeçar é começar de novo;
Pra começar de novo, há de ser tudo igual;
Pensando bem, é impossível ser tudo igual;
Se não é tudo igual, não é recomeçar. É começar outra coisa;
Se é pra ser igual, denominemos manter. Recomeçar é outra coisa.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

(Re) começo

Em tudo na vida, inclusive na própria vida, existe um ciclo
E quando um ciclo se fecha, suavemente outra se inicia
E com esse (re)começo, uma onda de esperança e energia toma conta do nosso ser, trazendo não só alegria, mas principalmente, vontade de viver
[autor(a) (des) conhecido(a)]

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Não quero ser


Não quero ser;
Quero ter e estar;
Ser enquadra, define, rotula e sufoca;
Ter e estar ficam pertinho das possibilidades;
Estar deixa aberto para novos estares;
Ter deixa a chance de não ter mais, e ter de novo.

34 anos


Ao longo dos meus 34 anos, já fui muitas mulheres.
Trago muitas delas comigo, e muitas delas já não admito mais. Estão descartadas!

Para as mulheres que permiti que em mim ficassem, consinto paradoxos: posso estar sensível, mas ainda assim ser forte; posso ser sonhadora, mas sempre manter meus pés no chão; posso ser flexível, ainda que às vezes intolerante.

Ainda, sou desse tipo de mulher que muda o rumo do destino. E que bota a mão no fogo pra negar que tudo está escrito. Não tem nada escrito pra mim, porque o prumo é meu.

Vou me construindo através de inspiração em tudo o que vejo, em tudo o que ouço, em tudo o que vivo, e assim, vou me compondo de cores mais alegres.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

(Sol)idão


Peço com educação que a palavra (sol)idão se reescreva;
Arranje outro começo pra construir uma relação;
Deixe em paz o que é do (sol), porque (sol) é iluminação;
(Sol) é recomeço, anunciação;
Por favor, (sol)idão, reconheça... se reescreva!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Nostalgia


Ainda sou do tempo
De namoro no portão
De café coado com pano
De amor com calor humano
De carta escrita a mão


Ainda sou do tempo
Que se pedia permissão
Que a cabeça era antiga
Que se vestia roupa comprida
Que importava a educação


Ainda sou do tempo
Que família era união
Que filme tinha roteiro
Que pouco valia o dinheiro
Que havia coração


Quase nada disso eu vi
Porque tenho pouca idade
Escrevo só por saudade
De coisas que não vivi